quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A MÍSTICA DE SER HUMANO


A imagem que temos ou fazemos dos místicos na maioria das vezes, é de que eles são seres totalmente divinos onde a humanidade não tem vez. Podemos concordar que eles são divinos porque Deus é o seu criador assim como o é de todos nós.
Talvez pelas ações e atitudes deles, a pessoa humana vá se distanciando dos nossos olhos e da nossa realidade. Sentimo-nos incapazes de atingir o grau de “santidade” que eles conseguiram, e ás vezes desanimamos.
Outros pensam firmemente que, somente aqueles que são muito bons ou perfeitos têm o merecimento de viver estas experiências místicas, como por exemplo, ver Jesus ou Nossa Senhora. Mas na verdade, quem de nós mereceria tal privilégio? Todavia se não temos o merecimento de ver Jesus, menos ainda teríamos o merecimento de comungar o Seu Corpo e Sangue, no Mistério que celebramos na Eucaristia. Diante da experiência da comunhão eucarística que é a mais intima experiência com Deus, será que as outras experiências místicas não ficariam em segundo plano?
Jesus que é Deus quis ser humano, e nós vivemos correndo da nossa humanidade. Ora, Deus poderia ter nos feito seres impecáveis como os anjos, mas Ele quis nos fazer humanos, então porque não assumir esta natureza que também é divina?
Ser humano é ser totalmente divino e isso é indiscutível, e os místicos com certeza descobriram isso. Passaram então a buscar a humanidade divina que tinha se perdido dentro de nós no emaranhado dos pecados.
O nosso orgulho é muito grande e por isso achamos que ser humano é uma coisa ruim, que está num nível inferior, daí corremos alucinadamente atrás da divindade, sem lembrar que foi justamente esse o pecado de Adão e Eva.
Nós fazemos o caminho contrário fugindo da humanidade, nos preocupamos em viver os êxtases como os dos Santos e acabamos nos frustrando por não conseguir. Na verdade o caminho é de volta. Devemos retornar à humanidade na qual Deus nos criou.
Ser humano talvez seja mais difícil do que ser divino, porque no mundo divino não existe sofrimento ao contrário do mundo real.
Quando se deu a transfiguração lá no Tabor, por exemplo, Jesus proporcionou aos discípulos uma experiência mística de muito gozo e paz, mas quando eles quiseram ficar lá, findou-se o evento e tiveram que retornar ao mundo que estava do mesmo jeito que eles deixaram, com seus problemas.
Devemos compreender também que uma experiência dessas não é uma recompensa que Deus nos dá por bom comportamento. Quando lemos a história dos místicos encontramos algo interessante.
Junto com a revelação divina vem uma grande responsabilidade, assim é antes um compromisso e não uma revelação como pensamos.
Desejamos passar por certas experiências e não imaginamos o verdadeiro sentido da revelação.
Descobrimos outro detalhe importante entre os místicos, eles eram simples. Ser simples é o segredo da santidade, disse Frei Damião de Bozzano.
Nós não queremos ser simples. Queremos ser doutores, famosos, etc.
Quando temos um coração simples, a vida se transforma, fica mais bonita, Deus se torna mais próximo. Vivendo a simplicidade percebemos as belezas da vida e até um abraço de um amigo se torna uma experiência mística.
Insistimos em buscar lá em cima o que está cá em baixo, dentro de nós, que é Deus! Então acontece uma luta. Deus que quer nos fazer simples e nós que temos o dom de complicar tudo.
A experiência mística não traz o amor a Deus, é justamente o contrário, isto é, o amor a Deus promove a revelação. Se descobrirmos o caminho de volta, já estamos vivendo com certeza uma grande mística.
Fazer o caminho de volta torna-se doloroso porque não aprendemos e nem gostamos de perder, e para ser simples é necessário perder algumas coisas como o orgulho, o apego às coisas e as pessoas, é mesmo uma mudança de vida. Se tivéssemos o coração simples poderíamos perceber o mundo invisível que existe ao nosso redor.
Traçar um caminho de volta seria imprudente, pois cada um de nós anda por uma estrada diferente, mesmo buscando o mesmo Deus. Esse caminho nós podemos fazê-lo dando um passo após o outro, de forma equilibrada e acompanhada por alguém que nos ajude de preferência.
O mais importante, no entanto é olharmos para Jesus e desejarmos ardentemente o dom da simplicidade que nos torna divinos. Saber que para sermos fiéis precisamos amar, pois só quem ama permanece fiel até o fim.
Um passo muito importante a dar em direção à mística é o auto-conhecimento. Precisamos nos conhecer para nos amar, pois nós somos especialistas em camuflar a nossa verdadeira pessoa, por medo de não sermos aceitos pelos outros. Temos que decidir se somos nós mesmos ou quem o mundo exige que sejamos.
O objetivo é alcançar o equilíbrio interior que por conseqüência reflete no nosso exterior, nos relacionamentos com os irmãos e com Deus.
Passando a nos conhecer um pouco mais, vamos dando abertura para as exigências que fazemos de nós mesmos para nos sentirmos bem. Só com a ajuda do Espírito Santo podemos caminhar e avançar no auto-conhecimento, pois só Deus nos conhece por inteiro.
Temos que encarar o nosso verdadeiro EU com amor e não com pesar, porque isso é simples. É um pouco trabalhoso sim, mas é uma aventura que vale a pena viver.
Certo dia perguntaram a um famoso escultor como ele conseguira tirar um anjo de uma pedra e ele respondeu dizendo que o anjo já estava lá e que ele só fez aparar as arestas. Dentro de nós existe um ser humano melhor, lindo e equilibrado, cabe a nós deixarmos Deus aparar as arestas. Para quê então ficarmos presos dentro da pedra?
Para crescer na espiritualidade é necessário antes crescer na humanidade e para isso é essencial conhecê-la
Antes de trilhar o caminho para o alto é preciso descer ao íntimo do próprio ser, pois toda construção começa de baixo. O alicerce que está em baixo é que dá segurança e sem ele a construção irá ruir com toda a certeza.
Na vida espiritual acontece que a humanidade é o alicerce, isto é, o fundamento que sustenta a espiritualidade. Apesar de ser essencial na construção o alicerce fica escondido sob a obra construída. E na espiritualidade não é diferente!
Para construir este alicerce é necessário conhecer-se. Saber os próprios limites, defeitos, fraquezas, o temperamento, enfim tudo o que compõe o ser humano. Com a ajuda de Deus podemos transformar quem somos, num alicerce forte, seguro e eficaz para aí sim, começar a construir uma vida espiritual centrada em Deus.
Querer ter uma espiritualidade firme e frutuosa sem assumir o ser humano é como construir uma casa sem alicerce.
Um bom exemplo disso é São Paulo. Quando lemos suas cartas nos deparamos com um homem humano, que depois de encontrar-se com Jesus ficou a sós consigo mesmo, chegando a afirmar que “...não fazia o bem que queria, mas o mal que não queria.” (cf Rm 7, 19). Ele firmou seu alicerce e então construiu a sua vida íntima com Deus, aproveitando das suas fraquezas fazendo delas um trampolim para chegar a Deus.
É preciso ter a coragem de encarar a si próprio sem máscaras. Isso se torna complicado porque na maioria das vezes não gostamos de nós mesmos, queremos sempre ser outra pessoa, que mais agrade a nós mesmos e aos outros. Por isso disse Jesus: “amarás o teu próximo como a ti mesmo’. ( cf Mat 22, 39).
O auto-conhecimento permite o equilíbrio entre corpo, alma e espírito.
A vida mística depende intimamente da vida humana. Quando se vai descobrindo e assumindo em Deus a humanidade, a vida espiritual vai começando a se construir e depois de algum tempo sobressai, não se vê mais o “alicerce” e sim a “construção”, é isso que enxergamos na vida dos santos e míticos, daí acabamos por nos enganar ao pensar que eles não têm nada de humano. Eles têm, só que está escondido como o alicerce sob a vida espiritual, basta olhar melhor e lá estará a humanidade servindo de base para uma vida de santidade totalmente mergulhada em Deus.
Por tudo isso, ser humano é também uma experiência mística, porque a partir daí surge um caminho novo que leva a Deus. Ser humano não é voltar à vida de antes, nem olhar para trás com tristeza ou auto-condenação, é seguir em frente e fazer de tudo o que já aconteceu uma escada para subir ao Céu.
É aí que descobrimos que o Céu começa em nós!

Fabrício Alves

Um comentário:

Silvinho disse...

bom, ta funcionando...
heheh =pp
abraço.
XD